sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Tesouros Protegidos por Gatos

Carlos José Raupp Ramos (*)

“Nós, gatos, já nascemos pobres, porém, já nascemos livres, senhor, senhora ou senhorio, felino, não reconhecerás.” História de uma gata (ENRIQUEZ, BARDOTTI e CHICO BUARQUE, 1977, musical infantil, Os Saltimbancos).

O que nós seres humanos, consideramos um tesouro? A felicidade? Dinheiro? Saúde? Amor? Mas e o que esse tesouro tem a ver com gatos domésticos (Felis silvestris catus), companheiros nossos de cada dia já há mais de 9500 anos?

Considerando-se as pessoas mais puras de coração, ou os desapegados de valores materiais, um grupo de seres humanos que preza, como um verdadeiro tesouro, coisas bem simples, como a saúde, por exemplo. E o que isso tem haver com gatos? No ano de 2006, em Santa Catarina, ocorreu a maior incidência de uma doença extremamente grave causada por um vírus e conhecida como Síndrome Pulmonar e Cardiovascular por Hantavírus (SPCVH), que em 2009 atingiu maior letalidade, com evolução para óbito em 58,3% dos casos. Um dos fatores que contribuiram para a ocorrência da doença no Estado foi o fenômeno da floração da taquara lixa (Merostachys fistulosa), que ocorre em média a cada 30 anos. Esse fenômeno faz aumentar a oferta de grãos da taquara lixa, que se parecem muito com grãos de arroz, o que faz com que ocorra um aumento considerável no número de roedores silvestres e sinantrópicos, se há uma maior oferta de comida, há um maior número de roedores. Esses, os roedores, principalmente os silvestres, são considerados reservatórios do vírus.  Para manter a população destes roedores equilibrada os proprietários de galpões em áreas rurais, começaram a criar gatos, já que estes são resistentes a doença, e por conseguinte, o número de pessoas mortas por hantavirose e leptospirose diminuiu muito. Temos aí um primeiro tipo de tesouro protegido por gatos, a saúde.

Em Hermitage, na Rússia, existe um museu que é um dos maiores e mais antigos do mundo com quase 3 milhões de peças e para proteger este tesouro um exército de gatos foi contratado há mais de 200 anos, pois o museu tem problemas com ratos desde a sua inauguração. Segundo tesouro protegido por gatos, a cultura.

Em janeiro de 2010 uma gata salva uma família de incêndio no Estado de Illinois, nos Estados Unidos, Baby uma gata sem raça definida acordou sua dona, que estava grávida de gêmeos, e depois fugiu assustada. Se isso não é amor, o que é então? Outro tesouro protegido, por gatos, a vida.

E o que devolvemos para esta espécie que tanto serve ao homem, que protege bens materiais e imateriais? Pode haver discordância em alguns pontos, ou em todos, mas uma coisa é certa, o maior tesouro que a humanidade possui é o nosso planeta, nosso “lar”, e esse tesouro que deveria ser protegido com unhas e dentes, sem trocadilhos com os gatos, pois aqui é que criamos nossos filhos, tiramos nosso sustento e alimento, tentamos ser felizes e até armazenar tesouros materiais, está correndo grande risco. Além de grande crueldade, e de macular a espécie humana, alguns homens ainda acham-se no direito de tirar a vida de seres que não podem se defender de nós “humanos”, o maior de todos os predadores. Buda, em sua infinita sabedoria disse, “se não te foi dado o direito de criar a vida, que direito tens de tirá-la?”

Muitos casos de envenenamento de animais domésticos, principalmente cães e gatos, têm preocupado autoridades e pessoas de bom coração e boa índole em muitas cidades pelo Brasil afora. Segundo laudos periciais feitos por laboratório idôneo, em conteúdo estomacal de gatos envenenados, o veneno monofluoracetato de sódio, conhecido como 1080, mão branca, 1000 gatos, mata sete, sete belo ou cachacinha, foi encontrado. Trata-se de um veneno pontentíssimo, letal em mínimas doses, se ingerido, inalado ou absorvido pela pele. Não existe antídoto conhecido. No Brasil é largamente utilizado como raticida, porém, sua fabricação, comercialização e uso são proibidos pela Organização Mundial da Saúde – OMS e por leis Federais, desde 1982. Esse composto, extraído de uma planta tóxica Palicurea marcgravii, encontrada também no Brasil, deixa resíduos até o sétimo elo da cadeia alimentar do animal que o ingere. Inclusive há a recomendação de que os cadáveres que contenham o composto sejam sepultados em áreas especiais para que não haja contaminação de mananciais hídricos, pois caso isso ocorra o número de vítimas é incálculável.

Quem irá proteger nossos tesouros de nós mesmos? Isso nem os gatos podem fazer, infelizmente.

(*) Médico Veterinário, M.Sc., Professor-UNIVESC; Entomologista/Sanitarista-Secretaria de Estado da Saúde SC.

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