domingo, 23 de outubro de 2011

Repassando o Passado


Repassando o Passado
Homenagem a Lages

Júlio Corsetti Malinverni


Encantado com a beleza nativa da Serra
Decidiu Corrêa Pinto, em largo sorriso:
"AQUI FUNDAREI LAGES, por ser esta terra
A morada de Deus... o próprio Paraíso".

Poeta inspirado quisera eu ser,
Para, em versos sublimes, poder ofertar
A Lages querida, que me soube acolher,
Divinal canção de beleza sem par...

Cantaria seus rios, vales e montes,
Sua pradaria, exuberante e florida;
O azul celeste, unindo horizontes,
E a bela paisagem o cheia de vida.

Cantaria o passado, com tanta saudade...
Lembraria a amizade que a todos unia
E os saraus elegantes da alegre cidade,
Envolvida nos sonhos de sua fantasia.

Lembraria riquíssimas jóias preciosas,
Ornando o colo das meigas donzelas;
Os vestidos barrados de rendas mimosas
E rosas pendentes florindo lapelas.

Lembraria os jovens, em dado momento,
Ostentando "croisettes", em noite de gala,
E as damas propondo fazer casamento
Dos filhos dançando no centro da sala.

Lembraria as serestas, ao som do violão,
No silêncio das noites de lindo luar;
O perfume das flores em pleno verão
Atraindo colibris que as vinham beijar.

Lembraria os folguedos dos carnavais
E o entrudo de rua em duelos de água;
As valsas serenas embalando os casais,
Ditosos e alegres, sem nuvens de mágoa.

Lembraria o "Cravo Preto" e "Vai ou Racha",
Expondo alegorias em corsos brilhantes;
As ricas fantasias e cordões em marcha,
Com fogos em cores de chispas bailantes.

Lembraria as crianças, ainda inocentes,
Correndo e pulando na rua a brincar;
As frutas gostosas de galhos pendentes
Das quintas vizinhas que íamos furtar.

Lembraria o corre-corre de "Roda-cutia"
E do vivaz "Coelho-sai", sem poder sair;
Da brincadeira era tão grande a alegria
Que a Lua, entretida, se punha a sorrir.

Lembraria a Cacimba de pedra talhada,
Que ordem impiedosa sem dó soterrou,
A dar água abundante, gratuita e filtrada,
Às gerações lageanas que o tempo levou.

Lembraria o Cará e sua água amornada,
Onde todos os moleques iam nadar;
O Tanque vertendo uma água azulada
Onde era lavada a roupa a engomar.

Lembraria o estilo do Teatro de então,
Com suas galerias, platéia e balcões;
O público aclamando, com viva emoção,
Os atores lageanos e suas tradições.

Diria das artes, da música, dos poetas,
Da cidade romântica, que foi outrora;
Da sociedade cristã, sem pornô-patetas,
No lar educada e mais humana que agora.

Lembraria da Matriz o repicar dos sinos
Chamando à oração o coração da gente
Qual coro de Anjos, entoando hinos,
Pedindo a Deus a salvação do crente.

Falaria da branca e vetusta capela,
No alto da rua Corrêa Pinto erigida;
Da Santa do Rosário – a mãe mais bela
E de todas as mães a mãe o querida.

Lembraria a festança de Santa Cruz
Com missas, novenas e procissões;
O leilão de prendas, galinhas, perus
E o pau-de-sebo, fogueira e balões.

Lembraria Frei Rogério, o húmile Cura,
Distribuindo aos pobres agasalho e pão,
E levando aos lares, com tanta ternura,
A mensagem Divina de Amor e Perdão.

Lembraria os invernos na nossa cidade
E as fortes nevadas em toda a região;
Dos ponchos e das botas que na herdade
Abrigam ricos e pobres, sem distinção.

Diria do tropeiro guiando a boiada
Através a estrada poeirenta da Serra,
Que, com sol ou chuva, neve ou geada,
No exato destino a jornada encerra.

Diria das velhas e austeras mansões,
Onde formou-se a tradição lageana;
Da têmpera de o de ilustres varões
E da ousada bravura da gente serrana.

Lembraria Lages dos tempos de então,
Com mesas fartas em todos os lares;
Do vintém, passando de mão em mão,
Sem lecos mendigos de tristes olhares.

Diria do fio de barba tirado do rosto,
Que fiel documento passava a valer;
Do carro de boi descendo do Posto,
Chiando e gemendo com lenha a vender.

Diria das guaiacas de dinheiro recheadas,
E do tilintar da prata sobre os balcões;
Também das onças e libras que eram guardadas
Em canastras chaveadas ou velhos colchões.

Lembraria, saudoso, a infância querida,
Do travesso que a todos sabia agradar;
Dos conselhos paternos a guiar-me na vida,
E, dos lábios da mãe pelo filho a rezar.

Diria dos jagunços, no cerco a cidade,
E do chefe Deodato, que eu vi na prisão;
Das bravas escoltas da legalidade,
Em guarda constante do Posto ao Lagoão.

Eis que o tempo se escoa!... Tudo perece...
A gente definha, belos sonhos se vão...
Mas Lages progride, renova-se e cresce,
Na atraente paisagem do nosso rincão.

AGORA...

Diria dos lamentos que estamos a ouvir,
Ante a ganância que agride e explora;
Da ação transgressora que quer destruir
A riqueza da fauna e a beleza da flora.

Diria muito do passado, não do porvir
Porque no futuro haverá confusão;
Pela Vida e pelo Lar, convém prevenir:
O aborto e o divórcio vão gerar solidão.

Como os tempos idos não tornam jamais,
O respeito se foi... e o amor também vai;
Ninguém deve a ninguém e não se diz mais:
"Sua bênção, mamãe!... Sua bênção, papai!..."

Se os sonhos da vida são frias quimeras,
Que a saudade recorda com suspiros e ais,
Deixai que eu lance minha Lira às feras
E a tristeza se vá para não tornar mais.

In: O Morro do Surrão. Gráfica Vicentina. Lages, 1985
Foto: Lages em 1927. Acervo Museu Thiago de Castro
Edição: Alexandro Reis

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