sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

A Vida Sempre te dá Opções, Sempre.

Carlos José Raupp Ramos*

          Aquele ano havia sido terrível para mim, tudo que poderia ter dado errado, deu. Perdi o emprego, minha mulher me largou, os ratos são sempre os primeiros a abandonar o barco quando as coisas não vão bem, mas um acontecimento foi ótimo, ter conhecido minha atual esposa. Aliás, algo que me pergunto até hoje, como ela decidiu ficar comigo, depois de tudo que aconteceu em nosso primeiro encontro? É por isso que comecei esse pequeno relato com o título acima, porque eu acredito mesmo que “a vida, sempre te dá opções, sempre”.
          Minha odisseia naquele ano miserável começou em uma segunda-feira, para variar, tinha que ser na segunda. Consegui juntar dinheiro por quatro longos anos para comprar um carro zero quilometro, o sonho de todo brasileiro. Escolhi item por item, cor, rodado, pneus, som, tudo, uma beleza, estava saindo da concessionária quando o agente de seguro me chamou, com aquela voz de “Urubulino”.
          – Ei, senhor, vamos fazer o segurinho do automóvel? – disse o agourento rapaz.
         Eu estava muito contente com aquela aquisição, mal ouvi ele falar, não dei muita bola, e nem tinha dinheiro para aquilo.
          – Sim, sim – disse eu. – Volto aqui na quarta-feira, tudo bem?
      –Tudo bem, mas dirija com cuidado, pois na quarta-feira pode ser tarde – falou o “Urubulino”.
          Na terça-feira à tarde, estava eu indo para a natação, pelo mesmo caminho de sempre, quando um carro corta meu caminho e nos desmanchamos em uma colisão.
          Meu carro novinho, perda total. Pensei no seguro e no “Urubulino”. Ao menos ninguém se machucou, a polícia militar veio ao local, fizemos os trâmites legais e o policial me avisou:
          – O senhor terá de pagar os danos no veículo da moça – falou com um palito de dente no canto da boca.
           – Mas ela cortou minha frente! – disse eu cheio de razão.
         – Sim, mas a preferencial era dela – disse o soldado Peçanha ainda com o palito no canto da boca.
        – Não, o senhor está enganado, eu passo aqui todos os dias, a preferencial é minha, como o senhor pode ver na pla... qui... nha – parei de falar estupefato apontando para uma placa inexistente.
          – Pois é – disse o soldado – A preferencial mudou neste domingo, todas as ruas aqui perto mudaram.
          Era difícil de acreditar, mas era a pura verdade.
         Meu carro deu perda total, e eu ainda tinha de pagar o estrago no carro da madame que me bateu. Vendi o que restou do meu carrinho novinho por uma miséria, conheci a máfia que compra carros “sinistrados” e vive disso, pessoal “sinistro”. Paguei o estrago no carro da madame, e o que restou comprei um FIAT UNO vermelho, ano 1987 a álcool, para andar em uma cidade fria, muito fria, então dá para imaginar o quanto me incomodei. O carro funcionava quando estava de bom humor, e o humor dele era péssimo, pior que o meu.
         Depois deste episódio, outras coisas ocorreram, o que só piorava os meus dias. Um amigo que acompanhou meu “drama” ficou doente, apendicite, e me disse.
          – Ei, vou fazer a cirurgia do apêndice amanhã, por favor, não vá me visitar.
       É claro que eu fui, e é claro que deu problema na cirurgia dele, ele teve de refazer a cirurgia e eu insisti em visitá-lo.
          – Você quer mesmo que eu morra, né? – disse ele ao acordar e me ver no quarto do hospital.
          Foi neste momento que uma enfermeira entra no quarto para dar a medicação a ele, uma linda mulher, loira, sorridente, enfim, me apaixonei. Logo fiz o possível para conhecê-la, anotei o nome dela que estava bordado no jaleco e, como era professor no curso de enfermagem, e tinha algumas alunas que trabalhavam naquele hospital não foi difícil coletar dados sobre a linda enfermeira e armar um encontro, para conhecê-la.
          Peguei o endereço de e-mail dela e o endereço de mensagem instantânea, conhecido como MSN e começamos a conversar por alguns dias, fiquei sabendo que ela era solteira e outras coisas e convidei-a para um jantar, marcamos um dia e combinamos que eu iria pegá-la em frente ao seu prédio.
          Entrei no velho FIAT e rezei para que não me deixasse na mão, ao menos naquele dia. Dirigi até o prédio dela, esperei na frente na hora marcada, ela atrasou-se uns quinze minutos, mas quando saiu do prédio, estava linda. Eu, como um bom cavalheiro, abri a porta do carro para a moça e entrei em seguida, rezando para que o automóvel não falhasse, girei a chave na ignição e... suando frio... ele... funcionou, ufa, estava aliviado.
        Andamos duas quadras, a noite estava fria, muito fria, e não deu outra, o velho automóvel pifou. Olhei extremamente constrangido para a bela mulher ao meu lado e disse.
          – Não sei o que deu nele hoje, isso nunca aconteceu! – disse eu com um sorrisinho amarelo  Gosto muito de carros antigos, este, por exemplo, é um clássico, mas acho que está na hora de me livrar dele.
          Por alguns minutos, tentei insistentemente fazê-lo funcionar, mas nada, nem mesmo um resquício de que isso iria acontecer. Peguei meu celular e disse:
          – Tudo bem, vou chamar um táxi e daqui a alguns minutos estaremos no restaurante, sem problemas – disse discando o número do taxista que estava na memória do telefone, ele sempre me socorria, precisava dele quase todos os dias.
          Mas como tudo que está ruim ainda pode piorar, descobri que não tinha mais crédito para fazer chamadas. Para fechar todo aquele ciclo de constrangimento com chave de ouro, a linda mulher que estava ao meu lado me ofereceu o seu telefone para que eu pudesse chamar o táxi. O resto da noite transcorreu normal, e ela ainda me deu o número do telefone e disse que havia amado a noite, muito gentil e elegante de sua parte.
          Mas a vida sempre te dá opções, pois, quando uma bela moça vê um “caboclo” com um carro velho, que não funciona, sem dinheiro para chamar um táxi e ainda assim decide ficar com ele, não é por falta de “avisos”, pois foram, ao menos, três sinais bem claros de que aquele pobre miserável não estava muito bem na vida, portanto depois não adiantaria reclamar.
       Aquele ano fora terrível para mim, mas uma coisa boa ao menos aconteceu, eu ter conhecido minha atual esposa. Alguns chamam isso de amor, outros de encontrar a alma gêmea.
          Eu chamo de coragem. 

* Professor de Microbiologia
Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS
Campus Laranjeiras do Sul/PR

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Livro: "O APRENDIZ DE NOEL", de Salete Bueno

          Nos dias 06 dez 13, durante as comemorações de Natal da EMEB Santa Helena, com grande público prestigiando o evento, e 14 dez 2013, no Calçadão da Praça João Costa, ao lado da Casa do Papai Noel, aconteceu o lançamento do livro infantil O APRENDIZ DE NOEL, da nossa colega escritora SALETE BUENO.

         “Salete Bueno destaca-se como um dos nomes importantes da literatura lageana, como autora de trabalhos expressivos de muita emoção, luz, calor e sentimento. “O Aprendiz de Noel” é um somatório de trabalhos dos mais variados períodos que acompanharam todas as fases de sua vida, até chegar aos tempos atuais. Mostra-se uma contista experiente, madura e realizada. Será, com certeza, um livro de sucesso, lançado para mostrar a todos que grande escritora é Salete Bueno.”
Jornalista Névio Santana Fernandes


          Parabéns à Salete por mais esta obra!




quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

No Parque

Carlos José Raupp Ramos*

          O avô, do alto de seus quase noventa anos muito bem vividos, senta-se com alguma dificuldade no banco da praça junto a seu bisneto de apenas nove anos de idade. O octogenário com cuidado e bem devagar abre um pequeno pacote de papel pardo, donde retira um pedaço de pão e escarafunchando extrai o miolo deste para atirar aos pombos que se aproximam sem cerimônia, e começam alvoroçadamente a disputar os pedacinhos ofertados pelo velho homem.
          — Olha garoto! – diz o velho ao menino – Eles adoram miolo de pão picadinho! Veja como disputam unha a unha os pedacinhos!
          O menino nem dá bola, o tempo inteiro fica sentado, alheio aos movimentos do parque, parece estar hipnotizado por aquele aparelhinho. Não percebe as árvores, que nesta época, a primavera, estão floridas, coloridas e lindas. Tampouco se dá conta da enorme quantidade de pássaros, de vários tipos, tamanhos, com variados cantos, alguns nas árvores alimentando suas pequenas crias.
          O velho lembrava do tempo em que era criança, sim, faz tempo, mas saudosas imagens vinham a sua mente, correndo atrás da bola com seu pai e irmãos, primos, amigos, jogando bolinha para seu cão pegar... banho de chuva, como era bom, o cheirinho da terra molhada após a chuva... os campeonatos de bolinha de gude... corridas de bicicleta... quantos tombos... o joelho sempre roxo, e a vovó insistia em passar mertiolate, ardia!!!
          Olhando as crianças no parque agora, até dava pena, todas mexendo naquele aparelhinho, como se o mundo ao seu redor não tivesse mais graça. Seus pais, da mesma forma, entretidos com os malditos smartphones. Tempos difíceis estes, pessoas tão próximas e tão distantes ao mesmo tempo.
          — Bisa! – chamou o menino – Cadê o seu celular?
          — Não sei, deve estar aqui em um destes bolsos – disse o velho remexendo, com alguma dificuldade no paletó e nas calças.
          — Como você não sabe bisa? – indagou o menino – E se chegou alguma mensagem para você? E se está na hora do seu remédio? A mamãe disse que colocou um aplicativo para lembrar a hora dos seus remédios.
          — Aplicativo, é? – disse o velho e pensou com seus botões, mas que diabo seria um aplicativo?
          — Sim, bisa! – disse o menino cheio de si e já trazendo o aparelhinho para perto do velho homem, com o pequeno dedo apontou para a tela colorida - Aqui, no meu celular, a mamãe colocou um aplicativo para eu lembrar a hora da lição de casa, a hora da minha aula de inglês, a hora da minha aula de natação, tem também um aplicativo que me indica uma lanchonete mais próxima para pedir fast food, hambúrguer, sabe? Com bastante batata frita e refrigerante. A mamãe tem aplicativos para tudo, para remédios, para manicure, pedicure, cabeleireiro, shopping, aula de yoga, pilates, e outras coisas.
          O velho homem olhava espantado para a criança e para o aparelho na mãe dela, como é que alguém com nove anos de idade poderia saber tanta coisa complicada como aquilo tudo?
          — Bem seu espertalhão, então você sabe que este seu aparelhinho só existe porque um homem de nome Alessandro Volta, desenvolveu a pilha voltaica ou pilha elétrica, há muitos anos atrás, estudando a eletricidade em um peixe chamado tremelga, que dá choque? – disse o velho ajeitando o chapéu, pois o sol estava forte, esperando que o menino entendesse, já que sabia tantas outras coisas bem complicadas – Esta pilha deu origem à bateria, que é o que faz seu celular funcionar hoje. Ele fez tudo isso observando a natureza, coisa que vocês não fazem mais hoje em dia.
          — Mas esse tal, Alessandro... não-sei-o-quê... – perguntou o menino com cara de espanto e curiosidade – Tinha algum aplicativo que o avisava que o peixe, a tal, trem... tremal... tramal..., enfim, poderia machucá-lo dando-lhe um choque?
          — Hein? – o ancião agora ficara sem resposta.
          O homem então tornou a jogar miolo de pão aos pombos, o menino voltou ao seu aparelhinho mágico em um mundo a parte.
          O bisavô pensou, olhando ao redor e ao próprio bisneto, antigamente, os velhos e doentes precisavam de máquinas para sobreviver, aparelhos de nebulização, oxigênio, respiradores artificiais, marca-passos, e certamente não gostavam de estar atrelados a estas máquinas, mas hoje em dia parece ser justamente o contrário, jovens e crianças precisam de máquinas para sobreviver e o pior de tudo, gostam delas.


* Professor de Microbiologia
Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS
Campus Laranjeiras do Sul/PR