quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

No Parque

Carlos José Raupp Ramos*

          O avô, do alto de seus quase noventa anos muito bem vividos, senta-se com alguma dificuldade no banco da praça junto a seu bisneto de apenas nove anos de idade. O octogenário com cuidado e bem devagar abre um pequeno pacote de papel pardo, donde retira um pedaço de pão e escarafunchando extrai o miolo deste para atirar aos pombos que se aproximam sem cerimônia, e começam alvoroçadamente a disputar os pedacinhos ofertados pelo velho homem.
          — Olha garoto! – diz o velho ao menino – Eles adoram miolo de pão picadinho! Veja como disputam unha a unha os pedacinhos!
          O menino nem dá bola, o tempo inteiro fica sentado, alheio aos movimentos do parque, parece estar hipnotizado por aquele aparelhinho. Não percebe as árvores, que nesta época, a primavera, estão floridas, coloridas e lindas. Tampouco se dá conta da enorme quantidade de pássaros, de vários tipos, tamanhos, com variados cantos, alguns nas árvores alimentando suas pequenas crias.
          O velho lembrava do tempo em que era criança, sim, faz tempo, mas saudosas imagens vinham a sua mente, correndo atrás da bola com seu pai e irmãos, primos, amigos, jogando bolinha para seu cão pegar... banho de chuva, como era bom, o cheirinho da terra molhada após a chuva... os campeonatos de bolinha de gude... corridas de bicicleta... quantos tombos... o joelho sempre roxo, e a vovó insistia em passar mertiolate, ardia!!!
          Olhando as crianças no parque agora, até dava pena, todas mexendo naquele aparelhinho, como se o mundo ao seu redor não tivesse mais graça. Seus pais, da mesma forma, entretidos com os malditos smartphones. Tempos difíceis estes, pessoas tão próximas e tão distantes ao mesmo tempo.
          — Bisa! – chamou o menino – Cadê o seu celular?
          — Não sei, deve estar aqui em um destes bolsos – disse o velho remexendo, com alguma dificuldade no paletó e nas calças.
          — Como você não sabe bisa? – indagou o menino – E se chegou alguma mensagem para você? E se está na hora do seu remédio? A mamãe disse que colocou um aplicativo para lembrar a hora dos seus remédios.
          — Aplicativo, é? – disse o velho e pensou com seus botões, mas que diabo seria um aplicativo?
          — Sim, bisa! – disse o menino cheio de si e já trazendo o aparelhinho para perto do velho homem, com o pequeno dedo apontou para a tela colorida - Aqui, no meu celular, a mamãe colocou um aplicativo para eu lembrar a hora da lição de casa, a hora da minha aula de inglês, a hora da minha aula de natação, tem também um aplicativo que me indica uma lanchonete mais próxima para pedir fast food, hambúrguer, sabe? Com bastante batata frita e refrigerante. A mamãe tem aplicativos para tudo, para remédios, para manicure, pedicure, cabeleireiro, shopping, aula de yoga, pilates, e outras coisas.
          O velho homem olhava espantado para a criança e para o aparelho na mãe dela, como é que alguém com nove anos de idade poderia saber tanta coisa complicada como aquilo tudo?
          — Bem seu espertalhão, então você sabe que este seu aparelhinho só existe porque um homem de nome Alessandro Volta, desenvolveu a pilha voltaica ou pilha elétrica, há muitos anos atrás, estudando a eletricidade em um peixe chamado tremelga, que dá choque? – disse o velho ajeitando o chapéu, pois o sol estava forte, esperando que o menino entendesse, já que sabia tantas outras coisas bem complicadas – Esta pilha deu origem à bateria, que é o que faz seu celular funcionar hoje. Ele fez tudo isso observando a natureza, coisa que vocês não fazem mais hoje em dia.
          — Mas esse tal, Alessandro... não-sei-o-quê... – perguntou o menino com cara de espanto e curiosidade – Tinha algum aplicativo que o avisava que o peixe, a tal, trem... tremal... tramal..., enfim, poderia machucá-lo dando-lhe um choque?
          — Hein? – o ancião agora ficara sem resposta.
          O homem então tornou a jogar miolo de pão aos pombos, o menino voltou ao seu aparelhinho mágico em um mundo a parte.
          O bisavô pensou, olhando ao redor e ao próprio bisneto, antigamente, os velhos e doentes precisavam de máquinas para sobreviver, aparelhos de nebulização, oxigênio, respiradores artificiais, marca-passos, e certamente não gostavam de estar atrelados a estas máquinas, mas hoje em dia parece ser justamente o contrário, jovens e crianças precisam de máquinas para sobreviver e o pior de tudo, gostam delas.


* Professor de Microbiologia
Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS
Campus Laranjeiras do Sul/PR

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