Carlos José Raupp Ramos*
Aquele ano havia sido terrível para mim, tudo que
poderia ter dado errado, deu. Perdi o emprego, minha mulher me largou, os ratos
são sempre os primeiros a abandonar o barco quando as coisas não vão bem, mas
um acontecimento foi ótimo, ter conhecido minha atual esposa. Aliás, algo que
me pergunto até hoje, como ela decidiu ficar comigo, depois de tudo que aconteceu
em nosso primeiro encontro? É por isso que comecei esse pequeno relato com o título
acima, porque eu acredito mesmo que “a vida, sempre te dá opções, sempre”.
Minha odisseia naquele ano miserável começou em uma
segunda-feira, para variar, tinha que ser na segunda. Consegui juntar dinheiro
por quatro longos anos para comprar um carro zero quilometro, o sonho de todo
brasileiro. Escolhi item por item, cor, rodado, pneus, som, tudo, uma beleza,
estava saindo da concessionária quando o agente de seguro me chamou, com aquela
voz de “Urubulino”.
– Ei, senhor, vamos fazer o segurinho do automóvel? –
disse o agourento rapaz.
Eu estava muito contente com aquela aquisição, mal
ouvi ele falar, não dei muita bola, e nem tinha dinheiro para aquilo.
– Sim, sim – disse eu. – Volto aqui na quarta-feira,
tudo bem?
–Tudo bem, mas dirija com cuidado, pois na
quarta-feira pode ser tarde – falou o “Urubulino”.
Na terça-feira à tarde, estava eu indo para a
natação, pelo mesmo caminho de sempre, quando um carro corta meu caminho e nos
desmanchamos em uma colisão.
Meu carro novinho, perda total. Pensei no seguro e no
“Urubulino”. Ao menos ninguém se machucou, a polícia militar veio ao local,
fizemos os trâmites legais e o policial me avisou:
– O senhor terá de pagar os danos no veículo da moça
– falou com um palito de dente no canto da boca.
– Mas ela cortou minha frente! – disse eu cheio de
razão.
– Sim, mas a preferencial era dela – disse o soldado
Peçanha ainda com o palito no canto da boca.
– Não, o senhor está enganado, eu passo aqui todos os
dias, a preferencial é minha, como o senhor pode ver na pla... qui... nha –
parei de falar estupefato apontando para uma placa inexistente.
– Pois é – disse o soldado – A preferencial mudou
neste domingo, todas as ruas aqui perto mudaram.
Era difícil de acreditar, mas era a pura verdade.
Meu carro deu perda total, e eu ainda tinha de pagar
o estrago no carro da madame que me bateu. Vendi o que restou do meu carrinho
novinho por uma miséria, conheci a máfia que compra carros “sinistrados” e vive
disso, pessoal “sinistro”. Paguei o estrago no carro da madame, e o que restou
comprei um FIAT UNO vermelho, ano 1987 a álcool, para andar em uma cidade fria,
muito fria, então dá para imaginar o quanto me incomodei. O carro funcionava
quando estava de bom humor, e o humor dele era péssimo, pior que o meu.
Depois deste episódio, outras coisas ocorreram, o que
só piorava os meus dias. Um amigo que acompanhou meu “drama” ficou doente,
apendicite, e me disse.
– Ei, vou fazer a cirurgia do apêndice amanhã, por
favor, não vá me visitar.
É claro que eu fui, e é claro que deu problema na
cirurgia dele, ele teve de refazer a cirurgia e eu insisti em visitá-lo.
– Você quer mesmo que eu morra, né? – disse ele ao
acordar e me ver no quarto do hospital.
Foi neste momento que uma enfermeira entra no quarto
para dar a medicação a ele, uma linda mulher, loira, sorridente, enfim, me
apaixonei. Logo fiz o possível para conhecê-la, anotei o nome
dela que estava bordado no jaleco e, como era professor no curso de enfermagem,
e tinha algumas alunas que trabalhavam naquele hospital não foi difícil coletar
dados sobre a linda enfermeira e armar um encontro, para conhecê-la.
Peguei o endereço de e-mail dela e o endereço de
mensagem instantânea, conhecido como MSN e começamos a conversar por alguns
dias, fiquei sabendo que ela era solteira e outras coisas e convidei-a para um
jantar, marcamos um dia e combinamos que eu iria pegá-la em frente ao seu
prédio.
Entrei no velho FIAT e rezei
para que não me deixasse na mão, ao menos naquele dia. Dirigi até o prédio
dela, esperei na frente na hora marcada, ela atrasou-se uns quinze minutos, mas
quando saiu do prédio, estava linda. Eu, como um bom cavalheiro, abri a porta
do carro para a moça e entrei em seguida, rezando para que o automóvel não
falhasse, girei a chave na ignição e... suando frio... ele... funcionou, ufa,
estava aliviado.
Andamos duas quadras, a noite estava fria, muito
fria, e não deu outra, o velho automóvel pifou. Olhei extremamente constrangido
para a bela mulher ao meu lado e disse.
– Não sei o que deu nele hoje, isso nunca aconteceu!
– disse eu com um sorrisinho amarelo – Gosto muito de carros antigos, este,
por exemplo, é um clássico, mas acho que está na hora de me livrar dele.
Por
alguns minutos, tentei insistentemente fazê-lo funcionar, mas nada, nem mesmo
um resquício de que isso iria acontecer. Peguei meu celular e disse:
– Tudo bem, vou chamar um táxi e daqui a alguns
minutos estaremos no restaurante, sem problemas – disse discando o número do
taxista que estava na memória do telefone, ele sempre me socorria, precisava
dele quase todos os dias.
Mas como tudo que está ruim ainda pode piorar,
descobri que não tinha mais crédito para fazer chamadas. Para fechar todo
aquele ciclo de constrangimento com chave de ouro, a linda mulher que estava ao
meu lado me ofereceu o seu telefone para que eu pudesse chamar o táxi. O resto
da noite transcorreu normal, e ela ainda me deu o número do telefone e disse
que havia amado a noite, muito gentil e elegante de sua parte.
Mas a vida sempre te dá opções, pois, quando uma bela
moça vê um “caboclo” com um carro velho, que não funciona, sem dinheiro para
chamar um táxi e ainda assim decide ficar com ele, não é por falta de “avisos”,
pois foram, ao menos, três sinais bem claros de que aquele pobre miserável não
estava muito bem na vida, portanto depois não adiantaria reclamar.
Aquele ano fora terrível para mim, mas uma coisa boa
ao menos aconteceu, eu ter conhecido minha atual esposa. Alguns chamam isso de amor, outros de encontrar a
alma gêmea.
Eu chamo de coragem.
* Professor de Microbiologia
Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS
Campus Laranjeiras do Sul/PR
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